O Triptofano por trás do equilíbrio emocional do cavalo

O mundo vem passando por muitas mudanças e o comportamento humano acompanha esse ritmo acelerado. Com os animais não é diferente, na atual criação de cavalos garantir o sucesso nas provas não é mero capricho, e sim um desejo de todos os criadores. Com esse objetivo, costuma-se cuidar da alimentação e do balanço nutricional, visando garantir o aporte ideal de nutrientes, especialmente uma relação correta de proteína e energia; e também proporcionar um excelente treinamento e ótimas condições de instalações e transporte.
Mas e quando esses cuidados alimentares, sanitários e de treinamento não são suficientes para garantir um bom rendimento do seu cavalo nas provas? No momento decisivo o animal fica muito estressado e ansioso, perde o foco e se desequilibra emocionalmente. O que pode ser feito?

MUDANÇAS COMPORTAMENTAIS

Cuidar do emocional dos cavalos ainda hoje não é comum, embora cada vez mais se torne uma necessidade. Mudanças abruptas na vida dessa espécie ocorreram desde a sua domesticação, quando perderam a condição de vida livre para a estabulação e não mais puderam exercer o potencial de seleção natural da dieta, alternando para o uso do concentrado e a predeterminação do tipo, quantidade e horários de alimentação. Considerando o temperamento natural de cada indivíduo, tamanhas mudanças afetaram o comportamento equino de diversas formas.
Essa espécie animal, enquanto predada, possui uma capacidade inata de sobrevivência, com rápida resposta a estímulos ambientais que apontem perigo ou ameaça. A partir destas sensações são desencadeadas reações cognitivas do tipo perceptivas e neurovegetativas que irão designar o medo, a principal emoção envolvida na ansiedade. Broom e Johnson (1993) apontam o estresse como uma condição de reações do organismo a agressões (física, psíquica, infecciosa ou outras). Ijich et al. (2013) afirmam que quando uma situação de estresse não é superada, ocorre uma perturbação da homeostase e prejuízo ao bem-estar do indivíduo. Além disso, Mason (1991) coloca que sinais comportamentais de aversão ou conflitos internos, como tentativa de fuga ou atividade de deslocamento, pode ser na maioria das vezes, a fonte do desenvolvimento de estereotipias.
Um cavalo estressado ou ansioso tem seu desempenho físico e mental diminuído. Inadequações de manejo alimentar, como restrição dietética, principalmente de volumoso tem sido correlacionada com alterações comportamentais em equinos, observando-se sintomas agudos de desconforto. A ansiedade pode prejudicar a vida do animal tomando proporções patológicas, quando há a sensação de perigo e medo sem ameaça real.
Buscando alternativas para reduzir o estresse/ansiedade e controlar o emocional dos cavalos, atualmente diversos suplementos estão disponíveis no mercado, com diferentes formas de processamento e utilização. Esses produtos buscam manter o foco e o bem-estar em momentos agitados, como nos treinamentos, em jejum prolongado, nas viagens, em cavalos exclusivamente de cocheiras e principalmente na hora da prova, sem que o seu uso caracterize “dopping”.

TRIPTOFANO

Como componente fundamental para o efeito desejado dessas substâncias está o triptofano. Trata-se de um aminoácido essencial utilizado pelo cérebro, juntamente com a vitamina B3, a niacina (ou niacinamida) e o magnésio, para produzir a serotonina, um neurotransmissor importante nos processos bioquímicos do sono e do humor. Por ser um aminoácido essencial, não é produzido no organismo, sendo necessária a ingestão por meio da alimentação. Participa dos mecanismos de percepção e avaliação do meio e na capacidade de resposta aos estímulos ambientais. Além disso, pertence ao grupo dos aminoácidos menos abundantes na dieta, caracterizando o papel importante que seus produtos finais desempenham no equilíbrio fisiológico normal e a facilidade com que pode ocorrer escassez quando interrompida a oferta (MEESUEM; MEIRLEIR, 1995).
A serotonina 5-HT (5 hidroxitriptofano) possui um papel fundamental no estudo neuroquímico da ansiedade, participando da regulação de processos comportamentais e fisiológicos dos animais, tais como: controle de temperatura, apetite (ZHANG et al., 2007), regulação das funções gastrintestinais, hemodinâmica (LE FLOC’H et al., 2011), secreção de hormônios do estresse (ADEOLA et al., 1993; KOOPMANS et al., 2005), imunidade, regulação do ritmo circadiano, comportamento agressivo (CORTAMIRA et al., 1991) e sexual, sensibilidade à dor, humor e bem-estar (MEUNIER-SALAÜN et al., 1991; SHEN et al., 2012).
Estudos apontam a atividade do triptofano sobre a manutenção do bem-estar em animais. Dennis et al. (2014) encontraram relação entre a concentração de serotonina no sangue do cordão umbilical no momento do nascimento, e no cérebro oito horas após o nascimento, correlacionando o comportamento nos primeiros dois dias de vida dos leitões com a mortalidade e déficit de crescimento destes animais no período de maternidade. Botelho-ono et al. (2014) relataram os efeitos da suplementação a base de triptofano em cavalos e concluíram que a administração oral de um suplemento contendo este aminoácido em situações de estresse resulta em efeito positivo sobre o bem-estar, melhorando comportamentos agressivos.

ASSOCIAÇÃO DE TRIPTOFANO, VITAMINAS E MINERAIS

Os suplementos auxiliares ao equilíbrio emocional dos cavalos costumam associar o triptofano a algumas vitaminas e minerais com funções importantes sobre o Sistema Nervoso Central (SNC). As vitaminas são moléculas orgânicas que contém carbono e funcionam como catalisadores de reações no organismo. Dentre as mais conhecidas por atuar no SNC, estão principalmente as do complexo B. A Vitamina B1 (tiamina) desempenha um papel importante no sistema nervoso, no coração e no metabolismo da glicose. A vitamina B3 ajuda no funcionamento do sistema nervoso, do sistema imunológico e está presente em diferentes processos metabólicos. A vitamina B6 atua no funcionamento do sistema nervoso, no fortalecimento do sistema imunológico e na manutenção dos níveis de glicose no sangue. A vitamina B9 (ácido fólico) é importante para o bom funcionamento do sistema nervoso central e do sistema imune e a vitamina B12 está associada, quando em déficit, ao declínio das funções cognitivas e a depressões, capazes de melhorar a concentração e o humor.
O magnésio é considerado um importante macro mineral muito recomendado para diversos tratamentos em equinos. Como um dos mais importantes minerais ósseos, está envolvido em várias reações enzimáticas, incluindo a geração de energia celular e a descodificação da informação genética. Trabalhando em conjunto com o cálcio na transmissão nervosa e contração muscular, seu papel no relaxamento muscular é a chave para compreender os sintomas que indicam a necessidade de suplementação.
Os suplementos com magnésio podem contê-lo na forma de sulfato, óxido ou quelato. O óxido é talvez o mais amplamente utilizado e tem uma taxa de absorção de energia de cerca de 50%. A adição de magnésio em suplementos para controle emocional pode estar relacionado ao seu importante papel na excitabilidade de contração nervosa e muscular, sendo relatada alta ocorrência de animais nervosos em dietas com baixo teor de magnésio.

DESMISTIFICANDO O MITO

Embora os efeitos já tenham sido comprovados, na prática, existe um mito sobre a suplementação de cavalos para controle de questões emocionais. Acredita-se que ocorram efeitos colaterais como lentidão, diminuição de reflexos, os animais se tornem lentos e calmos demais. Não existem relatos de comprovações científicas sobre estes efeitos quando o produto utilizado tem como base o triptofano e é utilizado da forma correta, de acordo com as especificações. Então é hora de desmistificar a sua utilização em cavalos ansiosos, assustados e estressados!
Houve um tempo em que uma dieta ideal para o cavalo atleta consistia em suprir as exigências nutricionais para garantir um bom desempenho físico. Contudo, nos dias atuais faz-se necessário uma visão mais ampla do conceito de equilíbrio na criação de cavalos, considerando a utilização de alimentos funcionais e fatores intrínsecos ao emocional do animal. Fica claro que são necessários cuidados específicos para garantir saúde física, digestiva e metabólica, mas cuidar do emocional dos cavalos, principalmente os de competição é imprescindível! Um equilíbrio entre um organismo bem treinado e uma mente equilibrada parecem ser o diferencial para o bem-estar e máximo desempenho, neste sentido, o triptofano pode ser um grande aliado quando adicionado à dieta. Garantir boa genética, nutrição adequada, treinamento correto e saúde emocional podem ser a receita ideal para a construção de um cavalo campeão!

Referências Bibliográficas

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Regina Lima Costa
Regina de Lima Costa – Médica Veterinária
CRMV-SP 38636
(MSc. Nutrição Equina).
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EMAIL: reginalimavet@hotmail.com